Termo de uso e política de cookies: Caro usuário, informamos que este site utiliza-se de Cookies para garantir uma melhor experiência de navegação, de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.
Política de Privacidade.
Continuar e fechar

Alimentos e visitas: direitos e deveres dos pais na guarda

07/07/2025

RELATÓRIO
 

O presente estudo, versa sobre a intrincada e frequentemente conflituosa relação entre o dever de prestar alimentos e o direito de convivência familiar, especialmente quando há descompasso ou mesmo inexistência de contato entre o alimentante e o alimentado. A situação fática que motiva a análise reside na premissa de que o inadimplemento ou a ausência de convívio afetivo e físico por parte de quem provê o sustento financeiro do filho não extingue, de forma automática ou inerente, a obrigação de prover os meios para sua subsistência. Paralelamente, e de igual importância, emerge a questão de que a existência de débitos alimentares pretéritos ou mesmo atuais não deve, em regra, servir como justificativa para a supressão ou restrição indevida do direito fundamental do genitor de conviver com seu filho, direito este intrinsecamente ligado ao desenvolvimento saudável e à formação psicossocial da criança ou adolescente. O cerne da questão é, portanto, desmistificar a ideia de que um direito está condicionado à fruição plena do outro, esclarecendo que são institutos jurídicos autônomos, embora interligados no contexto familiar.

 

No cenário que nos é apresentado, observa-se uma dinâmica onde o alimentante, por razões que podem variar desde desentendimentos familiares, distâncias geográficas, até mesmo a falta de iniciativa ou a imposição de barreiras por parte do genitor que detém a guarda, encontra-se impedido de exercer o direito de convivência com o filho. Essa ausência de contato, por si só, não configura uma justificativa legal para o descumprimento da obrigação alimentar, a qual tem como finalidade primordial a garantia das necessidades básicas do menor, como alimentação, vestuário, moradia, saúde e educação. A subsistência do alimentado é um direito indisponível e que transcende as questões de relacionamento interpessoal entre os genitores ou entre o genitor e o filho, sendo um dever inerente ao poder familiar e à solidariedade familiar. A mera alegação de não ter convívio, sem a devida comprovação de uma causa legalmente excludente da obrigação, não isenta o genitor de sua responsabilidade financeira.

 

Por outro lado, a situação se inverte e se complica quando o alimentante, mesmo em débito com as pensões alimentícias, pleiteia ou busca exercer seu direito de convivência com o filho. É fundamental que se compreenda que a inadimplência alimentar, embora possa acarretar sanções civis e, em casos extremos, criminais, não é um impedimento absoluto para o exercício do direito de visitas ou de convivência. A legislação brasileira, em sua sabedoria, busca proteger o melhor interesse da criança e do adolescente, e a convivência familiar é um pilar essencial para esse desenvolvimento. Portanto, a privação do convívio paterno ou materno, mesmo diante de dívidas alimentares, pode ser prejudicial ao menor, e o sistema jurídico deve ponderar esses interesses de forma equilibrada, evitando que um direito seja utilizado como moeda de troca ou como instrumento de punição indevida em relação ao outro.

 

A complexidade se agrava quando se constata que, em muitas situações, a própria ausência de convívio pode ser um reflexo da insatisfação ou do descontentamento do genitor com a situação da pensão alimentícia, criando um ciclo vicioso de conflitos. Ou, inversamente, a falta de pagamento pode levar o outro genitor a restringir o convívio, numa tentativa de pressionar o devedor. É imperioso, portanto, que se estabeleça um marco claro e inequívoco: o dever de prestar alimentos e o direito de convivência são institutos jurídicos distintos, com naturezas e finalidades próprias, e que, embora possam influenciar-se mutuamente no plano fático, não se anulam reciprocamente de forma automática ou indiscriminada. A análise de cada um desses direitos deve ser feita de maneira independente, considerando as particularidades de cada caso concreto e sempre com o foco primordial no bem-estar do menor.

 

A questão central que emerge para análise é a necessidade de se reiterar, com clareza e firmeza, que a obrigação alimentar possui um fundamento distinto daquele que embasa o direito de convivência. O primeiro está atrelado à subsistência, à dignidade e às necessidades básicas do alimentado, sendo um reflexo do poder familiar e da solidariedade que deve permear as relações parentais. Já o segundo, o direito de convivência, é um direito fundamental da criança e do adolescente de manter laços afetivos e de convívio com ambos os genitores, essencial para a sua formação integral e para o desenvolvimento de sua identidade. Portanto, um genitor que não tem contato com o filho, por qualquer motivo que não seja uma causa legalmente prevista para a exclusão da obrigação alimentar, como a alienação parental devidamente comprovada ou a existência de risco à integridade do menor, não se exime de prover o sustento. Da mesma forma, a existência de débitos alimentares, embora passível de execução e cobrança, não autoriza, por si só, a vedação total e irrestrita do convívio, a menos que tal convivência represente um risco iminente e comprovado ao bem-estar do menor.

 

Nesse contexto, a consulta busca elucidar a independência jurídica entre a obrigação alimentar e o direito de convivência, afastando a premissa equivocada de que um está condicionado ao outro de maneira absoluta. O alimentante que não exerce o convívio com o filho, por motivos que não se enquadram nas excludentes legais de sua obrigação, continua vinculado ao dever de prover os meios necessários à sua subsistência. Concomitantemente, o alimentante que se encontra em débito alimentar não perde, automaticamente, o direito de conviver com seu filho, sendo que a restrição desse direito deve ser uma medida excepcional, justificada por motivos graves que afetem o interesse superior do menor. A finalidade deste parecer é, portanto, esclarecer que alimentos e visitas são direitos e deveres distintos, cada um com suas próprias bases legais e consequências em caso de descumprimento, mas que ambos devem ser analisados e tratados de forma a garantir o melhor interesse da criança ou adolescente.

 

É o relatório.

 

FUNDAMENTAÇÃO
 

A análise impõe uma incursão detalhada nos institutos da obrigação alimentar e do direito de convivência familiar, examinando a autonomia e a interdependência de tais direitos à luz do ordenamento jurídico pátrio. A tessitura normativa que rege as relações de parentesco e as responsabilidades daí decorrentes revela um sistema robusto de proteção aos vulneráveis, com ênfase na dignidade da pessoa humana e no melhor interesse da criança e do adolescente. O presente Artigo se debruçará sobre a legislação pertinente, desvendando as nuances que governam a matéria e orientando a solução jurídica mais adequada.

 

A obrigação alimentar, em sua concepção mais elementar, encontra seu fundamento no Código Civil, no Art. 1.694, que estabelece a possibilidade de parentes, cônjuges e companheiros pleitearem alimentos para prover as necessidades de subsistência e compatibilidade com a condição social, incluindo as despesas educacionais. Este dispositivo legal, em seu § 1º, delineia a métrica para a fixação dos alimentos, ponderando as necessidades do reclamante e os recursos do obrigado. O Art. 1.696 do mesmo diploma legal reforça a natureza recíproca e extensiva desse dever, abrangendo pais, filhos e demais ascendentes, com a responsabilidade recaindo sobre os mais próximos em grau.

 

Paralelamente, o direito de visitação e convivência, intimamente ligado ao poder familiar, é assegurado pelo Art. 1.589 do Código Civil. Este artigo confere ao genitor que não detém a guarda a prerrogativa de conviver com os filhos, bem como de fiscalizar sua manutenção e educação. A amplitude deste direito, estendida aos avós por força do parágrafo único, demonstra a importância social e jurídica da manutenção dos laços afetivos. É fundamental salientar que tais direitos, embora coexistentes e ambos essenciais para o desenvolvimento integral do menor, possuem autonomia jurídica. A satisfação de um não se confunde com o exercício do outro, nem a inadimplência em um legitima a supressão do outro.

 

A legislação civil, ao dispor sobre a obrigação alimentar, confere flexibilidade em sua modalidade de cumprimento, permitindo, conforme o Art. 1.701 do Código Civil, que a prestação se dê por meio de pensão pecuniária ou pelo fornecimento de hospedagem e sustento, sem prejuízo da educação. Essa faculdade, regulada pelo juiz nos termos do parágrafo único do mesmo artigo, visa a adequação da forma de satisfação à realidade fática e aos recursos disponíveis, mas não desvincula o dever alimentar da sua finalidade precípua: o sustento do necessitado. A autonomia desses direitos, portanto, é um princípio basilar, impedindo que a ausência de um seja utilizada como justificativa para a privação do outro.

 

Da Impossibilidade de Compensação entre Alimentos e Visitas
 

A análise da dinâmica entre o dever alimentar e o direito de convivência revela que a legislação civil não prevê a compensação entre estes institutos. O Código Civil, em seu Art. 1.694, § 2º, estabelece que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando a necessidade advier de culpa do reclamante, o que demonstra uma clara distinção entre a causa da necessidade e a forma de cumprimento. Da mesma forma, o direito de visitação, garantido pelo Art. 1.589 do Código Civil, é um direito personalíssimo do genitor e do filho, essencial para a formação psicossocial do menor, e sua restrição ou supressão deve ser fundamentada em motivos graves que coloquem em risco a segurança ou o bem-estar da criança, e não em débitos alimentares pretéritos.

 

A jurisprudência e a doutrina pátrias consolidaram o entendimento de que a inadimplência alimentar, por si só, não é causa legal para a vedação do direito de visitas. Tal conduta configuraria um cerceamento indevido do direito de convivência familiar, prejudicando o desenvolvimento do infante e violando o poder familiar que ambos os genitores detêm, conforme o Art. 1.631 do Código Civil. Ademais, a obrigação alimentar é de caráter público e social, visando garantir a subsistência e a dignidade do alimentando, não podendo ser instrumentalizada para punir o genitor faltoso, sob pena de se ferir o princípio do melhor interesse da criança.

 

Nesse contexto, a alegação de que a falta de pagamento de pensão alimentícia justificaria a restrição do direito de visitas, ou vice-versa, encontra óbice legal. O Código Penal, em seu Art. 244, tipifica o abandono material como crime, punindo a omissão no provimento da subsistência ou o não pagamento de pensão alimentícia judicialmente fixada, o que evidencia a seriedade da obrigação alimentar. Contudo, a mesma legislação não estabelece, como consequência direta, a perda do direito de convivência. A autonomia desses direitos exige que eventuais descumprimentos sejam tratados pelas vias legais adequadas, sem que um sirva de pretexto para a violação do outro.

 

Da Manutenção da Obrigação Alimentar e do Direito de Visitação em Casos de Separação e Divórcio
 

No âmbito das relações familiares desfeitas pelo divórcio, a legislação civil estabelece diretrizes claras para a manutenção dos deveres alimentares e do direito de convivência. O Art. 1.702 do Código Civil determina que, na separação judicial litigiosa, o cônjuge inocente e desprovido de recursos fará jus à pensão alimentícia fixada pelo juiz, observando-se os critérios do Art. 1.694. O parágrafo único do Art. 1.704 do Código Civil estende essa proteção ao cônjuge culpado que, desprovido de recursos e sem aptidão para o trabalho, necessite de alimentos, garantindo-lhe o indispensável à sobrevivência.

 

Paralelamente, o Art. 1.703 do Código Civil dispõe que, após a separação judicial, os cônjuges contribuirão para a manutenção dos filhos na proporção de seus recursos. Esta norma assegura que a responsabilidade parental pela prole subsista independentemente do fim do vínculo conjugal. O direito de visitação, por sua vez, é um corolário do poder familiar e da necessidade de preservação dos laços afetivos, conforme já salientado pelo Art. 1.589 do Código Civil. A legislação não estabelece qualquer condicionante para o exercício do direito de visitas em função da regularidade no pagamento dos alimentos, ou vice-versa.

 

Portanto, a privação do direito de visitas em decorrência de débitos alimentares, ou a recusa em prover o sustento sob o argumento de impedimento de contato, configura uma interpretação equivocada e prejudicial ao melhor interesse da criança. A atuação judicial deve ser no sentido de garantir o cumprimento de ambos os deveres, buscando a conciliação e, se necessário, a imposição de medidas coercitivas para o adimplemento da obrigação alimentar, sem, contudo, cercear o direito fundamental à convivência familiar. A preservação do vínculo paterno-filial e a garantia do sustento são pilares indissociáveis para o desenvolvimento saudável do menor.

 

CONCLUSÃO
 

Em face do exposto, entende-se pela impossibilidade de um genitor ser impedido de conviver com seu filho em razão de débitos alimentares, assim como o não convívio não exime o dever de prestar alimentos, tendo em vista que são direitos distintos e independentes, pelas razões acima demonstradas.

SIMONE APARECIDA DE RESENDE

Fale Conosco
1
Fale Conosco